Ao som do grito “Diga ao povo que avance!”, o Boi Garantido tomou a arena do Bumbódromo na noite de sexta-feira (27) com uma apresentação que misturou tradição, espiritualidade e resistência. Sob o tema “Boi do Povo, Boi do Povão”, o bumbá vermelho reafirmou sua conexão com as matrizes culturais afro-indígenas da região, mostrando a força de uma cultura que pulsa no cotidiano da Amazônia.
O ponto alto da noite foi a exuberante Lenda Amazônica Tapyra’yawara de concepção alegórica do artista Neto Barbosa e equipe e concepção musical de Fran Canto. O ponto negativo foi a parte musical muito prejudicada pelo desempenho do Levantador de Toadas David Assayag que errou ou esqueceu várias toadas prejudicando a Batucada e a Banda do Boi Garantido em diversos momentos.

A narrativa começou com uma homenagem às origens do boi, remetendo à Baixa da Xanda – território quilombola onde o pescador negro Lindolfo Monteverde criou o Garantido. Mais que um local geográfico, o espetáculo apresentou a Baixa como berço identitário de uma comunidade que transformou sua brincadeira em símbolo de resistência cultural.

Ao longo da apresentação, o enredo destacou a diversidade étnica da Amazônia, posicionando o Garantido como expressão das aldeias, quilombos e comunidades tradicionais. O boi se apresentou como voz que canta tanto as alegrias quanto as lutas do povo da floresta, numa clara referência ao sincretismo religioso que marca a região, onde santos católicos dialogam com orixás e entidades ancestrais.



Um dos momentos de maior impacto veio com a apresentação da lenda Tapyra’yawara, ser místico que combina características de anta e onça. A alegoria impressionou não só pelo tamanho, mas por representar a força protetora da natureza contra as ameaças ambientais.



Em emocionante passagem, o Garantido homenageou o Povo Negro da Amazônia como Figura Típica Regional, destacando sua presença desde o Juruá até o Marajó. Personalidades como Mestre Irineu, Dona Xanda e Damasceno foram lembradas como símbolos de sabedoria ancestral, enquanto tambores e danças celebravam a herança cultural dos quilombos.



O ritual indígena trouxe para a arena a tradição dos Ikpeng através do Moyngo, cerimônia de iniciação que envolveu pajés em transe, espíritos da floresta e guerreiros com pinturas corporais tradicionais. A cena, acompanhada por cantos ancestrais, criou uma das imagens mais fortes da noite.



A primeira noite do festival mostrou um Garantido visceralmente ligado às suas raízes populares. Com uma apresentação repleta de significado, o bumbá vermelho deixou claro que veio não apenas para competir, mas para amplificar as vozes da floresta e de quem nela vive. Através de um espetáculo coeso e emocionante, o Garantido provou mais uma vez por que é chamado de “o boi do povo”.


